Vulcões são insensíveis às veleidades humanas, ridículas. Quem liga se uma cidade inteira vai queimar e ser acobertada por uma saraiva de cinzas? E os moradores que vão perder suas casas ou vidas ou filhos, amantes, penteadeiras, as noites bem dormidas? E os cãezinhos? Vulcões têm outra ética, outra substância, ignoram o que há ao redor. No mundo, digo, nesse mundo, não há inocência. E quem disse que ser enterrado em magma, saliva da Terra, pó derretido, quem disse que isso faz mal aos cãezinhos? E nós dormimos, dormimos por anos. Um trabalho que não é fácil, quando seguramos o firmamento por um lado – não é só o Atlas – e a torrente de lava por outro até que fique insuportável, até não cabermos em nós mesmos e transbordamos docilmente em orgasmos. E há quem pense em nós? Somos muito úteis, poucos reconhecem.
Você dirá que nossa ética é de pedra. Vem você me dizer que se preocupa com as formigas que pisa, nos pernilongos esmagados por suas encantadores mãos. Ah, se tivéssemos mãos – muitos de nós gostaríamos dessas incríveis invenções tão modernas e mal aproveitadas pelas senhoras e pelos senhores.
Vulcões são excêntricos, é verdade – bem dito. Colorimos da maneira que quisermos. Vejam o Monte Ijen e suas rochas amareladas de enxofre e suas chamas azuladas. Absurdas. Ilógicas, eu sei. Mas há beleza na nossa insensatez. Os lagos sarapintados em Rotorua. Vê o Bromo, vê o Bromo! Rodeado de nuvens ao redor, um chão cândido, virginal.
Chega, perda de tempo! Vocês não entendem de nada, voltem pro Facebook que a vida aqui fora é mais complexa que preto no branco. Enterraremos suas cabeças dicotômicas, os seus ying-yangs desbotaremos em cinzas, o Bem e o Mal – vem cá, vocês ainda acreditam nisso? Porque isso é capricho humano e nós, vulcões, só não nos cabemos em nós mesmos. É isso.
E bem que gostaríamos de ter mãos também, mas isso é outra história.
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